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sexta-feira, 11 de março de 2011

Círculo

Eu criei meu próprio refúgio. Fiz um baralho de cartas a mão, fiz a própria mesma de madeira e em cima dela compus o meu jogo. Tudo foi feito por mim. E como sempre, não recebia nada em troca. Me espreguicei e fui sentir o ar gelado da manhã cortar o meu rosto. Sorri diante dessa mera dor. Cada centímetro de meu corpo, cada artéria do meu coração já sentia coisa pior.
Então ela apareceu em meio aquele vento turbulento. Seus cabelos eram como a névoa suspensa no ar, e seus olhos se confundiam com o sol tão escondido no céu. Ela balançava os braços ao lado do corpo devagar, e seus pés sempre se arrastavam ao se movimentar. Ela segurava a bolsa firme rente ao corpo e enquanto seus olhos se fechavam devido ao vento, abriam-se novamente , soltando assim,  uma lágrima cintilante.
Ela foi se aproximando mais, e eu me dirigi a porta, para espera-la.  Encostei a cabeça na parede e a observei trilhar o caminho íngreme até mim. Sempre seria assim. Para chegar até mim, só se seus olhos me olhassem com um brilho recém adquirido, só se seu coração finalmente cansado de esperar, visse e sentisse pelos olhos, o que ele mesmo não podia ter.
Então ela parou nos degraus da varanda, logo a minha frente, sorrindo. Diferente do que vira antes, ela parecia brilhar intensamente, e seu sorriso era como viajar por entre as nuvens. Ela era leve. Suas mãos logo soltaram a bolsa,  e ela já não parecia cansada. Eu retribuí o sorriso, e pensei: ‘’ Engano meu’’ Por que ela não haveria de se iluminar?
Os seus pés não se arrastavam mais, e eu tirei minha cabeça da parede. Ela logo veio saltitando até mim, e rindo, rindo...
Eu a puxei para junto de mim, e apertei-a contra mim. Imagine um lugar quente e seguro, imagine sentir-se completo e seguro... é exatamente isso. Eu já não estava também cansado e mirei seus olhos cheios de calor. Sua boca era só sorrisos e eu logo convenci a mim mesmo da felicidade mútua.
Mas é claro que o engano pessoal, é um dom que todos têm.
Pois ela subiu os degraus cansadamente, e me olhou com seus olhos sem vida. Jogou a bolsa na cadeira e disse:
- Mais problemas.
Sentou na cadeira mais próxima e falou, falou de tudo que a machucava. Eu sabia o que ela sentia, pois eu sentia também. Meras coincidências do amor que eu tão bem conhecia. E então ela falava dele, dizia coisas como se soubesse quão injusta era tratada. De como ele não via o seu coração. Ela dizia que cada artéria, e cada parte do seu corpo, conhecia a dor que ela sentia por ele , e que ele era um grande abominável por não olhar para ela.
E então eu pensei:
Que grande abominável ela é, por não olhar pra mim.

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